Vai ter negro na tecnologia, sim! Já tem!

Cris Fernandes escreve sobre sua experiência no RD Summit 2019, onde conduziu entrevistas para seu podcast, o Ideias Negras

Cristina Fernandes
Cristina Fernandes20 de novembro de 2019
Semana da Transformação Digital

"É fundamental ocuparmos esses espaços!"

Essa foi uma das frases mais ressaltadas pelos meus entrevistados palestrantes negros no RD Summit 2019. Sou criadora do Ideias Negras, um podcast de entrevistas com profissionais negras e negros de diversos campos de atuação – empreendedorismo, literatura, artes, educação, moda, beleza, jornalismo, mídias e outros.

A ideia é que eles/as falem de suas iniciativas e expressem reflexões sobre os desafios e conquistas de suas áreas. Por outro lado, o podcast Ideias Negras também busca contribuir com a repercussão dessas vozes, mostrando que há profissionais negros de excelência em todas os setores da sociedade e campos de atuação.

Foi por isso que fiquei muito motivada com a possibilidade de fazer uma série especial do podcast com palestrantes negros que participaram da mais recente edição do RD Summit. Queria muito conhecer e conversar com os maiores experts em Marketing Digital, tecnologia e Vendas da atualidade. E, ao final dos três dias mais intensos dos últimos meses, confesso que foi uma experiência extraordinária e já estou esperando ansiosamente o próximo.

Palestrantes negros no RD Summit 2019

A minha primeira surpresa foi que, ao pesquisar na programação os palestrantes para identificar quem eu iria entrevistar, cheguei a 11 nomes dentre o total de 120 palestrantes nacionais e estrangeiros. Ora, você pode estar pensando que 10% é pouco.

Sim, é pouco, relativamente falando. Estamos longe da proporção de mais da metade que representa a população negra no Brasil, mas estamos trilhando esse caminho. A sociedade está mais consciente da necessidade de buscar uma maior representação negra em todos os espaços. A maioria das pessoas negras olha para o lado quando entra em um escritório, restaurante... ou conta quantas negros protagonizaram um filme ou campanha publicitária.

Assim, neste 20 de novembro – Dia da Consciência Negra – momento em que se reflete sobre a situação da população negra no Brasil, uma das questões que se destaca nesse debate são os desafios para a ampliação da representatividade negra nas corporações, nas universidades, nos cargos de lideranças do setor público e privado, enfim, nos espaços de tomada de decisão.

Profissionais negros na tecnologia

Entrevistei cinco palestrantes negros do RD Summit 2019: Ana Minuto, Ana Rodrigues, Camilli Calixto, Edu Costa e Nina Silva.

Ana Minuto tem mais de 15 anos de experiência em Gestão e Implantação de projetos de TI em empresas de Call Center, é coach de desenvolvimento pessoal e consultora de diversidade para empresas. “Como e por que incentivar a diversidade nas organizações” foi o tema de sua palestra.

Ana Rodrigues é Group Product Manager na RD, gerenciando a relação entre os parceiros de tecnologia e os clientes finais. Em dupla com Lucas Zunder, Ana explicou o passo a passo para integrar as diversas ferramentas ao RD Station.

Camilli Calixto é administradora e Customer Success Manager na RD. Em sua palestra, “Introdução ao Inbound Marketing”, ela compartilhou sua experiência como gerente de contas na RD e o que aprendeu ao longo do tempo para garantir o sucesso dos clientes no uso do RD Station. Os participantes fizeram uma longa fila ao final da sua fala para tirar selfies.

>> Leia um artigo da Camilli: Negros na tecnologia: Florianópolis, a Ilha do Silício, é a nova terra prometida?

Edu Costa é mentor de negócios, especialista em Marketing Digital e ajuda empresários a gerar mais vendas com o LinkedIn. O título da sua palestra foi justamente “LinkedIn Hacks: as melhores ferramentas, táticas e recursos para escalar seu crescimento com vendas digitais”, em que ele conta como, quase por acaso, descobriu o potencial comercial do LinkedIn deixando para trás a carreira de professor de História para se tornar um especialista na maior rede social profissional do mundo.

Nina Silva é executiva de TI há mais de 16 anos, mentora e gestora de negócios em tecnologia e empreendedora. É uma das fundadoras do Movimento Black Money e do D’Black, fintech que conecta consumidores e empreendedores negros. Foi eleita pela revista Forbes como uma das afrodescendentes mais influentes da atualidade. Na palestra “Branding para você e seus negócios” - muito concorrida, com uma plateia de mais de mil participantes - Nina contou como transformou sua trajetória em uma marca pessoal e de negócios.

Desigualdades históricas entre brancos e negros

Vivemos em um país com uma enorme desigualdade nas condições de vida de brancos e negros, forjada em uma economia escravocrata de exploração de pessoas escravizadas que perdurou quatro dos cinco séculos de sua história. Os negros brasileiros, descendentes dos escravizados, ficaram por um longo período alijados dos direitos mais fundamentais à cidadania, como educação de qualidade.

Vale lembrar que foi somente nos últimos 15 anos que o Brasil tem implementado ações afirmativas na educação e políticas de inclusão nas instituições para reparar os efeitos dessa dívida histórica - e isto é resultado das pressões das organizações da sociedade civil do movimento negro. No entanto, mesmo com nível educacional equivalente, ainda persiste um racismo institucional que dificulta muito a entrada, ascensão e destaque profissional dos negros em comparação com os brancos.

Mais da metade da população brasileira é negra

Há alguns anos, algumas organizações e empresas, particularmente as multinacionais, começaram a se preocupar com a falta de diversidade em eventos (e no quadro de funcionários) e começaram a investir esforços para reverter essa situação. Esse movimento também foi provocado por reivindicações reverberadas nas mídias sociais por parte dos grupos subrepresentados na sociedade – homens e mulheres negras, LGBTQIA+, Pessoas com Deficiência e outros.

Entretanto, no início era somente um representante desses grupos que figuravam no rol dos que falavam nos eventos. Aqui usei o verbo “falar” para fazer referência ao conceito de “lugar de fala” popularizado pela filósofa Djamila Ribeiro. “Lugar de fala” tem a ver com quem é autorizado (por quem detém o poder de decisão) a produzir os discursos que circulam na sociedade e contribuem para a construção do imaginário social.

Representatividade real, não token

Um único indivíduo simbolizando um grupo nos espaços é o que chamam de “token” ou “tokenismo”. De uns tempos para cá, os ativistas munidos do poder de comunicação das redes sociais começaram a reivindicar mais representatividade, não bastava somente ter um “token” figurativo.

Os grupos sub representados querem se ver nos espaços na medida de sua representatividade no conjunto da população brasileira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres são quase 52% e os negros (grupo formado pelos pretos e pardos, categorização do IBGE) são quase 55% da população brasileira.

A tecnologia ainda é um lugar solitário para negras

As profissionais negras de tecnologia e marketing ainda se sentem sozinhas nesse campo. “Ainda é muito solitário ocupar esse lugar” essa foi a segunda frase mais dita pelas minhas entrevistadas. Às vezes, ela foi dita com outras palavras, mas com o mesmo sentido.

Ser a única pessoa negra na maioria dos espaços - seja nas empresas, restaurantes ou em eventos - é um motivo de tristeza para elas. Mas também é uma razão para continuar e fazer o que está nas mãos delas para tentar mudar essa realidade.

Mulheres negras formam o maior grupo populacional no Brasil. São quase 60 milhões de pessoas, ou seja, 28% da população brasileira segundo o IBGE.

Esforço e responsabilidade das palestrantes negras

Dos cinco palestrantes negros do RD Summit 2019 entrevistados, foram quatro mulheres – Ana Minuto, Ana Rodrigues, Camilli Calixto e Nina Silva. Para essas mulheres negras, é gigantesco o esforço e responsabilidade de estar nessa posição de liderança em um evento como o RD Summit 2019, com 12 mil participantes.

Primeiro, porque elas sentem que, incessantemente, têm que provar a competência e tentar ser dez vezes melhor que um colega homem branco.

Além disso, elas tomam para si a responsabilidade de ser uma referência e inspiração para outras mulheres jovens negras para que estas ousem ocupar esses lugares que, a princípio, não foram feitos para elas.

E, por último, as entrevistadas relatam um compromisso de mostrar às pessoas não negras a realidade e o ponto de vista de uma mulher negra, em uma empreitada educativa diária num mundo hegemonicamente masculino e branco além de, tradicionalmente, racista e machista.

De fato, é muita coisa, porque é tudo isso somado aos resultados que toda profissional competente tem que entregar no ambiente corporativo.

No entanto, elas parecem muito motivadas e movidas pelo desejo de contribuir para a construção de uma sociedade mais plural e socialmente mais justa. Uma sociedade em que todas as pessoas, independentemente do gênero e da cor da pele, possam lutar para realizar seus sonhos. Essas mulheres negras não querem mais estar sozinhas nesses espaços.

Especial RD Summit 2019 do podcast Ideias Negras

Já está no ar o primeiro episódio do podcast Ideias Negras com Camilli Calixto e Ana Rodrigues. Elas compartilham um pouco da experiência de trabalhar em uma das maiores empresas de tecnologia do Brasil, falam das possibilidades da carreira e dão dicas para interessados em marketing digital.

Clique neste link para ouvir agora!

Cristina Fernandes

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